20 poemas de Mario Quintana para quem gosta de refletir na vida


Carlos Neto
Carlos Neto
Cientista Social

Num poema-homenagem, Manuel Bandeira define os versos de Mario Quintana da próxima maneira: “São realizados estes cantares / De um tudo-nada” e “cheiram sempre” ao “ar dos melhores ares / Pois são fácil e invulgares”.

Simples e invulgares (raros): não existe melhor síntese da poesia de Quintana. E não confundamos fácil com superficial. Os versos de Quintana tratam de temas centrais em quaisquer filosofia e nos fazem refletir muita sobre a vida.

Um desses temas é o amor.

Mario Quintana

Poemas de Amor

O gaúcho Mario Quintana (1906-1994) começou a escrever cedo e publicou seus primeiros versos ainda adolescente.

Seu 1º livro, A Rua dos Cataventos (1938), é todo de sonetos. Em Músicas (1946), experimentou a liberdade do verso grátis (sem métrica) e do verso branco (sem rima). Todavia em “Canção para uma valsa lenta” ainda se vê a preocupação em metrificar e rimar.

1 – Música para uma valsa lenta

Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

Minha vida não foi um romance,
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... Passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...

Aos alguns sua poesia foi se soltando. Em Sapato Florido (1948) encontramos um estilo bem desigual. São os famosos poemas em prosa de Quintana, populares pelo seu extraordinário poder de síntese. “Carreto”, por exemplo, tem uma frase só.

2 – Carreto

Amar é variar a alma de casa.

Os próximos poemas são do livro Espelho Mágico (1951). Cada um deles elege um assunto a ser abordado e seus títulos parecem temas de dissertações. Porém é claro que o resultado é menos uma definição, ou uma explicação teórica, do que uma viagem poética pelos mais vários temas, acesse os quais o amor.

3 – Do amoroso esquecimento

Eu, agora, – que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas vai ser que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

4 – Das penas de amor

É só por teu egoísmo impenitente
Que o sentimento se transforma em dor.
O que julgas, assim, penas de amor,
São penas de amor-próprio, simplesmente...

5 – Da realidade

O sumo bem só no ideal perdura...
Ah! quanta vez a vida nos revela
Que “a saudade da amada criatura”
É bem melhor do que a presença dela...

6 – Das confidências

Quiseste expor teu coração a nu...
E assim, ouvi-lhe todo o amoroso enleio.
Ah, pobre amigo, nunca saibas tu
Como é ridículo o amor... alheio...

Poemas sobre a vida, o tempo e a morte

Este poema em prosa, como o próprio nome diz, é o flagrante de um instante. Um recorte do cotidiano, sempre repleto de afazeres, trabalhos e obrigações, porém que traz em si o sentido do trágico.

7 – Momento

O homem parou, lotado de dedos, para procurar os fósforos nos bolsos. A insidiosa frescura do mar lhe mandou um pensamento suicida. E veio um riso límpido e irresistível – em i, em a, em o – do fundo de um pátio da infância. Um riso... Caso contrário quando o homem encontrou os fósforos e a vida recomeçou. Apressada, implacável, urgente. A vida é repleta de pacotes.

Quantas vezes não paramos para refletir na eternidade, e também no seu oposto, a finitude? Pois Mario Quintana, com um único verso, de uma maneira de forma aparente tão fácil, põe a gente para refletir neste tema tão complexo.

8 – Epígrafe

As únicas coisas eternas são as nuvens...

Os poemas a seguir tratam da inevitabilidade da passagem do tempo. Nada é tão angustiante quanto refletir nisso. Entretanto poucas coisas dão tanto pano pra manga, em termos de poesia, do que a reflexão sobre o se apressar das horas e o escoar da vida. Este é um assunto que, de fato, preocupava Quintana.

Tempo

9 – Da sem fim despedida

Ó Mocidade, adeus! Já vai chegar a hora!
Adeus, adeus... Oh! essa longa despedida...
E sem perceber que existe muita ela se foi embora,
Ficamos a acenar-lhe toda a vida...

10 – Relógio

O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.

11 – Tic-tac

Esse tic-tac dos relógios
é a máquina de costura do Tempo
a fabricar mortalhas.

12 – Da cor

Há uma cor que vem nos dicionários. É essa indefinível cor que possui todos os retratos, os figurinos da última estação, a voz das velhas damas, os primeiros sapatos, certas tabuletas, certas ruazinhas laterais: – a cor do tempo...

13 – Viver

Vovô recebeu mais um dia. Sentado na copa, de pijama e chinelas, enrola o 1º cigarro e aguarda o saboroso café com leite.
Lili, matinal como um passarinho, também aguarda o café com leite.
Tal e qual vovô.
Pois só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora, e suas esperas e desejos nunca se estendem além de cinco minutos...

14 – Do mal da velhice

Chega a velhice um dia... E a gente ainda pensa
Que vive... E adora ainda mais a vida!
Como o enfermo que em vez de dar combate à doença
Busca torná-la ainda mais comprida...

15 – Envelhecer

Antes, todos os caminhos iam.
Agora, todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

16 – Dos sofrimentos cotidianos

Tricas... Nadinhas mil... Ridículos extremos...
Enxame atroz que em torno à gente esvoaça.
E disto, e só por isto envelhecemos...
Nem todos põem obter uma enorme desgraça!

Alguns poemas de Quintana fazem recomendações aos leitores. São poemas que nos põem para pensar sobre a maneira como iremos vivendo e nos dão subsídios para refletir em jeitos melhores de lidar com as questões da existência. Ler poesia, além de ser uma atividade extremamente prazerosa, também pode realizar a nossa vida melhor.

17 – Da indulgência

Não perturbes a paz da tua vida,
Acolhe a todos igualmente bem.
A indulgência é a forma mais polida
De desprezar alguém.

18 – Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença longe das estrelas!

19 – Da perfeição da vida

Por que prender a vida em conceitos e normas?
O Belo e o Feio... o Bom e o Mau... Dor e Prazer...
Tudo, afinal, são formas
E não degraus do Ser!

20 – Da contradição

Se te contradisseste e acusam-te... sorri.
Pois nada aconteceu, em realidade.
Teu pensamento é que chegou, por si,
Ao outro polo da Verdade...

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Carlos Neto
Carlos Neto
Formado em Ciências Sociais (FFLCH-USP), Carlos é mestre em Estudos Portugueses, com especialização em Literatura Portuguesa Contemporânea. É escritor e dá aulas de Redação e Sociologia na Educação Básica desde 2007.